segunda-feira, 30 de maio de 2011

Uma noite com um boêmio


Tinha uma mineira, um carioca, muita cerveja, algumas caipirinhas e a maresia - comum para ele, irritante para ela. Era final de temporada, a cidade interiorana do Rio de Janeiro estava deserta. Muitos nativos, poucos turistas.

Ela vinha de um termino de relacionamento. Ele vinha da gema. Ela tinha o ego abalado e uma vontade absurda de se reerguer. Ele tinha uma cerveja, alguns cigarros e as lembranças do final de semana passado. O que havia acontecido mesmo? Não importava, nunca importava. Ela andava pela orla com passos calmos, caipirinha nas mãos, alegria no rosto. Alegria, para ela, nunca era desperdiçada. Ele andava com um jeito maroto, exalava esperteza, dessas de moleque maduro.

Natural de mineiro é ser sereno, sossegado. Era na praia que mineiro virava carioca, se misturava aos nativos, fazia farra, incorporava o espírito boêmio, fingia não ter tradição, nem costume, nem domingo na casa dos avós. Era aí que carioca fazia a festa, prometia mil amores, jurava mil casamentos. Até que chegasse a outra temporada e aparecesse outro mineiro querendo fugir da tradição que pudesse curar as lembranças do último “encontro”.

Ela parou. Bar vazio. Comum de fim de temporada. A amiga ria, ela ria. As bebidas começavam a fazer efeito. As risadas eram gostosas, gordas, cheias. Riam da cara de um moleque estranho, puxando conversa com o assunto mais comezinho que poderia existir, riam da falta do que fazer, riam porque queriam rir, porque eram mineiras em um bar carioca, riam porque não tinha compromisso, riam porque não queriam se comprometer.

Sentar? Sim, sentar era a melhor solução quando a praia começava a se transformar em carrossel e, lentamente, girava em torno das gargalhadas. Pediram mais duas bebidas, viram mais dois meninos. Riram, comentaram, trocaram olhares. Nada de incomum. Já tinham visto outros meninos nesta mesma noite, já tinham rido, já tinham comentado, já tinham trocado olhares.

As bebidas ficaram prontas e as mesas da mineira e do carioca já tinham virado uma só antes que ela desse o primeiro gole. A conversa não era mais comezinha. Não deixavam escapar silêncios longos entre uma frase e outra. O silêncio era suficiente apenas para mais uma tragada no cigarro do carioca.

Ela não fumava, ele tinha perguntado. Ela não usava drogas, ele tinha ficado impressionado. Ela só bebia e sorria. Ele sorria de volta, segurando o cigarro em uma das mãos e o copo de bebida na outra.

Na verdade, não se sabe ao certo se era ele quem sorria de volta ou se era ela quem sorria de volta. Sabe-se pouca coisa, mas sabe-se que em pouco tempo ele pedia um abraço e ela dava um beijo.

Descobriram coisas em comum entre um beijo e outro. Os dois gostavam das mesmas coisas, pensavam de jeitos diferentes e se completavam. Descobriram poucas coisas em comum entre um beijo e o outro, porque a boca pedia mais beijo do que fala, mais língua do que palavra.

Era certo que tiveram beijos, mordidas, cigarros, mãos, beijos, cerveja, língua beijo, beijo língua, caipirinha, apertaram-se corpo com corpo e deram as mãos. Mas era ainda mais certo que essa era a parte comum e o que havia mesmo interessado uma mineira com síndrome de carioca era o cheiro, o gosto e os olhos. O cheiro de pinga que exalava de seu corpo suado graças ao calor do Rio, o gosto de cigarro que possuía - do mais doce ao mais quente dos - seus beijos e os olhos que destacavam o verde dentre o vermelho que brotava em torno da pupila.

Quando os corpos se apertaram com mais força e ela se deixou levar pela vontade, pensou que em minas ela não faria isso. Mas, "nem ligo,nunca mais vou te ver”. A intenção superficial era essa, mas a vontade era de ver de novo, agarrar de novo, viver de novo. O corpo desejava mais que a intenção. Desejava o cheiro, o gosto, o calafrio, desejava voar vôos de gaivota.

Deitada na areia da praia, na manhã do outro dia, ela sentia ainda em seu corpo o cheiro de cigarro e bebida que a noite passada tinha deixado para trás. Foi quando, mesmo depois do banho de mar o cheiro ainda não havia saído, que ela percebeu que o cheiro já não era mais dele, era dela. Do fundo dos seus pulmões, ela percebeu que esse era o preço que se pagava por uma noite com um boêmio. Tinha boêmia nos seus pulmões enquanto ela voava no seu vôo de gaivota.

terça-feira, 10 de maio de 2011


Já quis ser cuidador de bichinhos de estimação, passador de informações escritas no jornal, cuidador de gente triste, criador de propagandas e até já quis ser entregador de cartas.
Mas hoje, eu quero mesmo é ser fraseador, que nem o Manoel de Barros.