segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Retornando.



Flutuava.
Um pé frente ao outro. Os dedos do pé tocavam o chão antes do resto do corpo. O resto do corpo tocava. Às vezes, dedos, nem pé, nem corpo tocavam. Flutuava.
Respiramos juntos: pé, dedos, corpo, coração, pulmão: juntos.
Lentos, leves, suaves. Dedos do pé tocavam sem tocar e respiravam quando faziam respirar. Em sintonia.
Lentos, leves, suaves. Dedos das mãos que dançavam aos olhares. Olhares esses que estavam de olhos fechados. Dança suave, dança de movimentos. Olhos de olhos fechados enxergam grande, longe, fundo. Olhos de olhos fechados enxergam tão fundo quanto respiração.
Pés que tocavam sem tocar. Olhos que olhavam sem olhar. Sem tocar e sem olhar, chão era areia, água era mar, respiração era vento. E mais nada. Era no nada que eu tinha tudo, sem precisar.
"Eu sou um passarinho".
Passarinho saiu de mim: grande, branco. Folha da árvore, quando cai, vira passarinho e sai de mim, levando leve o que é pesado.
O pesado tá nos galhos altos lá de cima na gente. Tá na gente quando a gente não respira, nem deixa ser respirado. Tá na gente quando, de olhos abertos, a gente quer enxergar os olhos do que tem olhos fechados.
Para enxergar os olhos do que tem olhos fechados, feche os seus. Sem tocar, toque.
O passarinho tirou todas as asas e voou. Está longe agora. E nunca esteve tão perto.
Amor é a desculpa que as pessoas dão para proteger.
Proteção é a desculpa que as pessoas dão para aprisionar.
Prisão é a desculpa que as pessoas dão para não voar.

domingo, 7 de agosto de 2011



Procuro sempre nas pessoas mais do que abraço de braços.
Abraço tem de ser de corpo todo. Abraço de órgãos. Abraço de coração com coração.
Abraço desses eu encontrei nela. Ela abraça como quem quer abraçar sem deixar escapar nem um cheiro de amizade.
E foi aí que eu a conheci de verdade: ela que abraça assim, tem sinceridade que vai além de braços. Ela tem sinceridade de coração com coração.
Sinceridade que é gene dominante do gosto inconfundível da voz até o polegar.
Abraço com sinceridade que nem esse a gente leva pra cá, pra lá, pra sempre.
pra sempre,
De coração com coração.

O que mais ficou em mim era a voz dele.
Voz limpa, mansa.

Voz que não sabia gritar.
Um dia, ele tentou. Enfeiou. Ele não sabia.

Voz dele só sabia ser que nem água de riacho
que escorre calma pela ouvido da gente
e despenca forte - que nem cachoeira -
no coração.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Só enquanto eu respirar



A gente fica nesse medo bobo de falar de amor, porque a gente cria ideia que amor é compromisso.
Não tem nada disso!
E a gente ama. Ama o tempo todo.
É porque amor é coisa de tato, beijo, abraço, pulso, sorriso...
Amor meu, um dia desses, disse que "amor é vontade de apertar". E num é que é?
Amor é isso tudo e também é cheiro.
Eu vivo sentindo cheiro de amor por aí.
Amor enche pulmão, lava e suja ao mesmo tempo.
Têm horas que amor tem cheiro de flor. Têm horas que amor tem cheiro de cigarro. Têm horas que amor tem cheiro de vinho. Têm horas que amor tem cheiro de mundo. Têm horas que amor tem cheiro de adeus. Têm horas que amor tem cheiro de bom dia.
É aí que a gente vê que não precisa dizer seguidas vezes que ama.
A gente já diz quando a gente beija, abraça, sorri, aperta...
A gente ama quando a gente respira.

Princesas na minha rotina




A rotina, às vezes, cansa, cega, entristece, mecaniza. Tão mecânico ou mais quanto o motor de um ônibus. Tão mecânico ou mais quanto a volta para casa de ônibus. Mas, algumas vezes, por trás de olhos de janelas urbanas, dá para (re)conhecer algumas flores que brotam do cimento.

Um dessas flores eu (re)conheci esta tarde, na minha rotina mecânica. Descrevê-la em seu uniforme azul, com seus cabelos presos em um laço também azul e os brincos vermelhos é algo quase impossível. É que princesa assim é indescritível. Sempre tem um detalhe que a gente deixa de lado.

Essa princesa sempre esteve na minha rotina. Mas, acho que desta vez, minha janela estava mais aberta. Enfim, não sei. Só sei que nesta tarde ela me encantou.

Ela tinha cerca de oito anos e entrou com seus pezinhos de princesa dentro da minha rotina.
Uma das mãos agarrava as mãos de um senhor (talvez seu pai, talvez seu tio, talvez seu avô. Não importa), a outra segurava um pedaço de capim. A princípio, cheguei a acreditar que o capim era para os cavalos brancos que passaram a puxar o ônibus quando ela entrou na minha rotina. Mas, logo, ela disse ao senhor: "Segura a minha flor."

O capim era flor! E ela era princesa. E o ônibus era puxado por cavalos brancos.
Dentro da minha rotina mecânica ela colocou seus pezinhos de princesa, brincos vermelhos e cavalos brancos.

Com esses mesmos pezinhos, ela fez algo que me encantou. Algo que eu (re)conheci em algum mar meu e que me veio como uma onda de saudades. A princesa subiu nos bancos do ônibus e deixou que o vento a despenteasse.
Laço desfeito, pés no banco, despreocupação... Ainda assim, ela era princesa dessas das mais finas.

Ponto marcado. Rotina. Ela olhou, desceu do banco, desceu do ônibus e foi embora com sua flor. Ela me deixou assim: sozinha, na rotina.
Mas, dessa vez, eu era carregada por cavalos brancos no vento de mar da saudade.

Um dia, na minha rotina, vou me aproximar dessa princesa. Antes que ela cresça e esses cavalos brancos que cavalgam nesse azul amargo desapareçam.