sábado, 5 de maio de 2012

Cinco de maio de 2012

Não quero ver a lua, porque sinto que, em mim, o efeito vai ser inverso. Vai me inverter por completo O contrário: o descontrole. Vou me perder e não vou me achar Porque o meu lugar é outro, um pouco longe daqui que eu não posso ficar

domingo, 25 de março de 2012

Nada(r) de voo



Queria tomar banho de chuva
Fui para o terreiro de casa. Ela me viu, segurou forte meu pulso, espremeu feito barbante apertado e explodiu de frases dizendo que "não pode fazer isso, menino, vai ficar resfriado!"
Uns dois beliscões e um tapa na bunda e eu me escondi da chuva (até a chuva se escondeu de nós). Doeu.

Teve um dia que eu fui mesmo pra chuva. Fui no proibido lá para o terreiro de casa. Ela não estava vendo. Tomei a chuva. Engoli.
Lavei os beliscões, os tapas no bumbum e as explosões. Saí sem peso, só com o leve.

Num entendi qual era a dela. Teve um dia que tomei chuva. Nem foi de querência. Tava era na rua, voltando da escola e chutando pedrinhas.
Aí a chuva veio, tentei correr pra não pegar resfriado, depois achei que correr de chuva por medo era bobeira.
Tomei chuva e engoli tudo de novo. Ultrapassei as sensações. Fiquei tempo todo de olho fechado. Porque olho aberto não enxerga direito.
Gota de chuva é permeável. Passarinho nada livre enquanto voa.
Num entendi nada: se a chuva, algum dia, acaba vindo sem querência, por que é que a gente não pode nadar no voo dela por vontade própria?
Cheguei em casa leve leve feito brabulheta.
Pequei até um resfriado. Não doeu.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012



Vi uma floresta de água no assoalho do banheiro, suado após o banho.
Já era tarde da noite e o sono não chegava aos meus olhos. Dei umas duas pescadas, dormi e cai da escada. Acordei de sobressalto, senti medo e, sei lá, senti calma lá no meu medo.
As coisas que eram normais, foram aos poucos perdendo os sentidos. As coisas que eram sentidos foram deixando se sentir e raptaram os seis. Deixei de sentir fome, frio ou sede.
Guardar as coisas no armário, armariar tudo, parecia não parecer nada. Pisar, responder perguntas, deixar os pés deitados sobre o chão não me vinham. As sinapses paravam no meio de uma curva que eu não tinha visto, sentada no banco de trás do carro.
Eu ia me desconhecendo para sofrer mudanças que não mudam nada com os olhos abertos.
E fechados, os sentires ganhavam formas, nomes, coloridos... mas nenhum deles ganhava explicação ou solução. Soluçava muito, mas sem saída.
O que era pequeno foi ficando grande feito Everest. O que era Everest foi ficando que nem cu de formiga.
Tem outro mim no lugar do eu. Na verdade, sei não se estou dentro de mim demais intenso ou fora de mim demais no ar.
Ficou tudo muito de uma cor só e eu me perdi entre as nuvens e o asfalto. Não sabia mais qual era o caminho que deveria andar.
Fiquei parada alí: mais ou menos naquela ponta, naquela linha entre lucidez e loucura.

A loucura nunca foi estérica como os outros costumam dizer. É calmaria excessiva.
Essa loucura não precisava de remédio para ser curada. Ela era remédio. Irremediável dentro de lembranças.
Os filmes erraram muito de manicômio. Sei não, mas acho que o manicômio era mais ou menos dentro de mim demais intenso e fora de mim demais ar. Naquela ponta, naquela linha...
Onde? Carnaval em mim.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012



Sentada, de pernas cruzadas, sobre o chão, ela abria os potinhos de tinta. Eram pequenos e transparentes. Mas era só quando abertos que as cores eram vivas.
Haviam inúmeros lápis de cores diferentes, espalhados também sobre o chão, ao seu lado, mas, quem criança quer lápis quando se tem tinta?
Parada, ela olhava para as tintas e para os papéis branquinhos. Estava indecisa e confusa: mais bonito a tinta ou o papel limpo?
Espalhou lentamente os papéis e começou a pintar, evitando se sujar muito pra que a mãe não brigasse. Ficou alí, com movimentos lentos, pintando com a mesma agilidade tranquila que tem no olhar de um passarinho.
Pintou, de início, bolas azuis. Três pequenas, uma grandona que era quase a folha toda. Achava engraçado como, ao ir acabando a tinta no pincel, os traços ficavam ralos que nem quando um avião passa rápido no céu e deixa um rastro branco de algodão quase doce.
Pintou galhos, flores, folhas, pintou riscos soltos que nem fita de cabelo de menina, pintou muitos sorrisos sem dentes e sem lábios. Sorrisos de olhos fechados.
Pintou também borboletas, muitas delas, pequenas, dentro da bola azul maior.
A mãe chegou, olhou aquilo tudo e foi dizendo sem sorriso, com os olhos muito abertos que "o que é isso, menina? por que não vai fazer alguma coisa de útil?".
Ela, sentada, enfiou o dedo indicador na tinta vermelha e pintou mais borboletas.
"você, que já é quase uma mocinha, tem que aprender a fazer alguma coisa"
Aumentou as asas das borboletas amarelas com pinceladas fortes. Foi limpar o rosto e manchou que nem pele de índio antes de ritual. Manchou também os braços, o cotovelo e um pouco da calça.
"vai varrer casa, descascar batatas! vem me ajudar! larga de fazer essas coisas..."
Grandes, grandes, com o pincel encharcado, as borboletas começavam a ganhar espaço, e saíram para fora da bola azul. Ela, em silêncio, continuava a pintar, enquanto a mãe gritava.
Ela não respondia. Hora alguma levantou a cabeça ou fez menção de se levantar. Permaneceu pintando.
Porque tinha silêncio no seu coração.
Lá dentro, só som de asas de borboletas que batiam fortes para além do papel.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Eles vieram. Os dois. Pequenos, arrastando os chinelos, arrastados, naturais.
Não havia receio, renúncia ou angústia no que faziam. Era normal, comum, usual.
Os dois chegaram, calmos, cada um em um canto da loja e pediram ao vendedor um pouco de carne. Era um açougue.
O homem, sem tirar os olhos do trabalho, respondeu que "não tenho nada hoje, filho".
Eles saíram, sem desapontamento, sem esperanças. Comum.
De maneira também natural, um deles levou as duas mãos juntas, em forma de concha, até a boca e soprou, deixando escapar um som entre elas. O outro olhou, sorriu admirado.
"Como fez isso?" E tentou copiar. Não sabia. Eu também não. Tive infância, mas não sabia.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012