domingo, 27 de novembro de 2011



Hoje, peguei gota salgada que cai do olho e transformei em mar salgado para navegar o coração.
Tem horas que coração da gente precisa sair de onde está e ir para o além mar.
Hoje, levei alma para o mar, querendo molhar os pés nas espumas das ondas e deixar um arrebol grande na tristeza.
Tentei fazer água salgada que cai do olho virar espuma passageira que vai embora.
Tentei sorriso virar mar: grande e profundo. Pra desaguar lá dentro da gente.
Hoje, mesmo de corpo longe, eu abracei de corpo todo - de órgãos - pra deixar seu coração surdo do resto do mundo.
Hoje, procurei soprar com vento toda a poeira que impede de respirar.
Hoje, junto do mar, trouxe você comigo para desatar o seu peito, liberar o seu pulmão. Junto do mar, as águas salgadas se misturam. Água de uma, vira água de outra. Vira água de todas.
Hoje, respiro de olhos fechados. Junto todas as forças, todas as espadas e aguento até dez vezes o peso de formiga para carregar no ombro você e todo o peso da sua gaiola.
Tô querendo levar seus tormentos, duas dores, varrer seus males. Tô querendo cessar sua tempestades, fazer virar águas passadas. Tô querendo o seu amanhã sem nuvens de poeira e com Raios de Sol.
Porque...tem gente que brilha
de corpo todo.

domingo, 13 de novembro de 2011

Em alto mar

Tem vezes que só uma frase quer ser escrita. Uma frase simples, rápida, límpida, inocente.
Só que, um turbilhão de palavras, letras desordenadas surgem, corrompidas. Palavras atrapalhadas, deturpam e eu não consigo contê-las.
É como abrir uma janela no porão de um navio esquecendo que se está em alto mar. Depois que a água inunda e preenche todo os espaços, não tem mais como impedir.
É ir nadando, se deixando afogar.
É "morrer de olhos abertos".

sábado, 5 de novembro de 2011

Tem gente que brilha.
De longe a gente vê. Para tudo. Passa, brilha e atraí o olhar.
Olhar acompanha que nem véu de noiva. Meio arrastado, grudado, leve.
Aí a gente que brilha passa. Vai embora.
O olho que antes não piscava meio morto aberto, pisca tentando voltar a vida.
Uma parte dele volta. A outra continua acompanhado Raios de Sol dentro de si.
Gente que brilha marca, gruda,
leva na luz a leveza de uma manhã.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Enzimando cores



Se eu fosse cega, iria querer provar tudo. Colocar tudo na boca e a boca em tudo.
Passar a língua, engolir, enzimar, digerir. O gosto das coisas na cegueira.

Se eu fosse cega, iria querer, com o paladar, sentir todas as cores. Experimentar o claro, o escuro.

Sabor de azul na cegueira, sabor de vento.
Sabor de branco na cegueira, sabor de algodão.
Sabor de cinza na cegueira, sabor de poeira.

Na minha cegueira de estômago, todas as cores digeridas viram uma só. E, depois de me cansar delas, o vômito de cores sairia garganta afora.
E, de estômago vazio na cegueira, eu estaria pronta para novos sabores.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011




Minha mãe
,,,é tesoura
que repica minhas
,,,que corta meus
que retalha o que
É tesoura
,,,,, minha mãe

sábado, 8 de outubro de 2011

De dentro da gente



Mariana, de súbito, levantou do sofá e correu, tropeçando nos próprio pés cobertos pelas meias e escorregando no assoalho lustrado, naquele mesmo instante, pela mãe. Ainda em estado de êxtase, chegou até a garagem, onde encontro o pai sentado, remexendo ferramentas antigas.
-Pai, sabia que dentro da gente tem um tantão de peixinho?
Por algum motivo o pai não respondera. Deve ser porque ela havia falado rápido, ainda ofegante da corrida.
-Pai, tem um tanto de peixinho dentro da gente! - ela tentou mais uma vez, controlando a voz ofegante.
O pai soltou um grunhido, apenas para demonstrar que tinha ouvido e estava lá, mas permaneceu de costas para a garota.
-Pega a chave de fenda para mim.
Mariana, procurou por toda a parte algo que poderia ser essa tal chave de fenda.
-Que isso, pai?
Ele, sem responder, levantou-se e buscou um objeto que Mariana achou engraçado: um palito fino com um pequeno bastão colorido. Ela riu e pensou que talvez servisse como varinha mágica para o Tedy (seu urso de pelúcia com Cartola. O avô costumava dizer que Tedy era mágico que nem ela).
-Cadê sua mãe? Vá até a cozinha e pergunte se o almoço já está pronto.
Ela, meio desapontada, com a cabeça baixa, brincava de escorregar no chão lustrado pela mãe enquanto percorria o caminho até a cozinha. Passou pelos olhos do avô.
-Onde vai, patinando desse jeito, menina?
Mariana, ainda de cabeça baixa, fitou o chão branco feito gelo e sorriu.
-Vô, sabia que dentro da gente tem peixinhos?
O avô sorriu, mostrando gordo o sorriso branco da dentadura. Alguém bateu na porta e entrou. Era uma dessas visitas que chega sempre sorrindo murcho e vai embora sempre sorrindo murcho sem acrescentar sorriso nenhum na vida da gente.
-Essa é a Mariana? Como cresceu! Antes era uma coisa miúda...
O avô, ainda sorrindo para os peixinhos de Mariana, respondeu:
-Pois é! Isso cresce que nem abóbora!
A visita, de sorriso murcho, falou mais algumas coisas entre os dentes murchos e foi embora para a garagem. Talvez ajudar o pai, talvez só dar o ar da graça murcha. Não importa.
Mariana, vendo a visita ir para a garagem, lembrou-se do que o pai havia pedido e foram - ela e o avô - ao encontro da mãe, na cozinha.
Assim que colocou os pés de meia no chão da cozinha, a menina viu os olhos da mãe fuzilarem o pano que antes era branco.
-Mariana! Quantas vezes eu disse que não é para andar de meia pela casa? Você parece não me ouvir! Larga todas as meias sujas pelo chão! Você e seu pai pensam que eu sou o quê?!...
O avô, assustado, esperou a reação da menina, enquanto a mãe saia pela casa afora, ainda em explosão de frases.
Mariana sorriu, olhou fundo nos olhos do avô e disse:
-Acho que mamãe tem dentro dela um tubarão!


Desejo que nem sonho:
Nunca se sabe o começo
Quando se percebe, já está dentro,
Já faz parte


Consumido. Ingerido: boca, sonho, corpo, beijo, desejo.
Aglutinam-se.

O olho fechado abriga, aquece, conduz no sonho a realidade
E, é no quente desse sonho que todo resto se evapora.

domingo, 2 de outubro de 2011

Penteado



Ela pegou o cabelo entre as mãos. Passou os dedos ásperos no couro cabeludo e foi descendo, laçando os fios nas mãos - sem nenhuma leveza - e puxando-os.

"Assimaí tão parece doida Você. até anda por descabelada,"

Alguns fios, cismados em ficarem mais juntos de outros, agarravam os dedos da Mulher. Ela puxava com força, fazendo a cabeça ser pega de surpresa entra um puxão e outro.

"Você Assim,. até doida parece aí andaportão descabelada".

As unhas grandes, pintadas sempre de cores abatidas, alcançavam a pele que reveste o crânio e rasgavam o silêncio. De dentro da mente, ouvia-se.

"aítão doida Você. por Assim descabelada. anda".

A Mulher, com puxões e aspereza, foi separando os fios, deslocando-os contra suas vontades e amarrando-os em uma trança forte e justa dessas que começam bem rente a cabeça e que parecem nunca se soltar.

"anda Você portão, aí doida. até descabelada Assim parece".

No meio da trança, para ajudar a prender o cabelo, a Mulher amarrou um relógio. Relógio esse que contava as horas ao contrário. Junto com as unhas, debaixo do couro cabeludo, dentro do crânio, forte na mente, o tic tac contrário do relógio ressoava.
Tinha data, tinha hora, tinha momento, tinha que ter.
Tinha. Tem.
Tinha antes. tic tac. Agora tem.

A trança tinha ficado pronta. Estava organizada em quase perfeição.
A Mulher sorriu.

"Você anda tão descabelada por aí. Assim, parece até doida"

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Feito murro maior que o barulho do Mundo.

Meu coração não está só dentro do peito. Isso é pouco para ele. Ele está é em toda parte.
Meu coração está nos meu olhos, no meu rosto, dentro da minha boca. Meu coração está nas minhas mãos, nos meus pé... Em cada dedo, debaixo das unhas, entre as digitais. Meu coração está na minha barriga, na minha garganta, nos meus movimentos, no meu medo. Ele está nos meus fios de cabelo, no meu pescoço, na minha pele, no meu arrepio. Está por toda parte. Até onde eu ainda não posso ver.
Meu coração pulsa forte em todo canto do meu corpo (visível e invisível).
Cada pulsação tem uma intensidade diferente que respeita seu próprio relógio. Vários pulsos de um mesmo coração, às vezes, pulsam em sintonia. Aí eu sinto meu coração em cada pedaço de mim como se fossem murros sem dor.

Tem horas que eu sou pequena para o tamanho dele.
Ele é maior que o mundo.
Ele é grande demais para o tamanho do meu corpo.
Nessas horas, meu coração fica fora e eu fico dentro.
Dentro dele, eu ouço a pulsação feito murro sem dor que vem de toda parte no tamanho do meu corpo. Dentro dele, eu sinto a pulsação feito tambor sem dono que toca em toda parte no tamanho do meu corpo.

domingo, 18 de setembro de 2011

Passou.


Passou feito poeira tudo o que eu sentia.
Foi embora que nem sonho dissipado que vira neblina.
Aí a gente abana com a mão pra limpar o ar.
Limpar o coração desse poeira que eu sentia e que me arrancava a respiração.
E é o desejo de amar a cada segundo um amor que você já ama.
É amor viver. Por isso eu respiro o tempo todo. Pra amar a respiração viva da gente.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011




Bergamota. Laranja-cravo. Tanja. Tangerina. (ou) Mexerica. Mexericas. Todo lugar mexerica. Todas mexericas. Mexerica ou mexericas. Mexericam. Mexericância. Mexericando.
Mexericando as mexericas. Mexericando as mexericas na mexericância.
Mexe mexe mexericas. Mexe mexe mexericando. Mexe mexiricâncias.
Mexericado. Maxericada. Todas mexericam. Uma mexerica mais. Outra mexerica menos. Mexericam. No fim, todas mexericam.
Mexe. Mexe. Mexe. Mexe mexerica. Mexerica ou mexericas. Todas mexem. Todas mexericam.
Mexe mexe mexericas que mexericando as mexericâncias da vida as mexericas mexem o Mundo.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Retornando.



Flutuava.
Um pé frente ao outro. Os dedos do pé tocavam o chão antes do resto do corpo. O resto do corpo tocava. Às vezes, dedos, nem pé, nem corpo tocavam. Flutuava.
Respiramos juntos: pé, dedos, corpo, coração, pulmão: juntos.
Lentos, leves, suaves. Dedos do pé tocavam sem tocar e respiravam quando faziam respirar. Em sintonia.
Lentos, leves, suaves. Dedos das mãos que dançavam aos olhares. Olhares esses que estavam de olhos fechados. Dança suave, dança de movimentos. Olhos de olhos fechados enxergam grande, longe, fundo. Olhos de olhos fechados enxergam tão fundo quanto respiração.
Pés que tocavam sem tocar. Olhos que olhavam sem olhar. Sem tocar e sem olhar, chão era areia, água era mar, respiração era vento. E mais nada. Era no nada que eu tinha tudo, sem precisar.
"Eu sou um passarinho".
Passarinho saiu de mim: grande, branco. Folha da árvore, quando cai, vira passarinho e sai de mim, levando leve o que é pesado.
O pesado tá nos galhos altos lá de cima na gente. Tá na gente quando a gente não respira, nem deixa ser respirado. Tá na gente quando, de olhos abertos, a gente quer enxergar os olhos do que tem olhos fechados.
Para enxergar os olhos do que tem olhos fechados, feche os seus. Sem tocar, toque.
O passarinho tirou todas as asas e voou. Está longe agora. E nunca esteve tão perto.
Amor é a desculpa que as pessoas dão para proteger.
Proteção é a desculpa que as pessoas dão para aprisionar.
Prisão é a desculpa que as pessoas dão para não voar.

domingo, 7 de agosto de 2011



Procuro sempre nas pessoas mais do que abraço de braços.
Abraço tem de ser de corpo todo. Abraço de órgãos. Abraço de coração com coração.
Abraço desses eu encontrei nela. Ela abraça como quem quer abraçar sem deixar escapar nem um cheiro de amizade.
E foi aí que eu a conheci de verdade: ela que abraça assim, tem sinceridade que vai além de braços. Ela tem sinceridade de coração com coração.
Sinceridade que é gene dominante do gosto inconfundível da voz até o polegar.
Abraço com sinceridade que nem esse a gente leva pra cá, pra lá, pra sempre.
pra sempre,
De coração com coração.

O que mais ficou em mim era a voz dele.
Voz limpa, mansa.

Voz que não sabia gritar.
Um dia, ele tentou. Enfeiou. Ele não sabia.

Voz dele só sabia ser que nem água de riacho
que escorre calma pela ouvido da gente
e despenca forte - que nem cachoeira -
no coração.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Só enquanto eu respirar



A gente fica nesse medo bobo de falar de amor, porque a gente cria ideia que amor é compromisso.
Não tem nada disso!
E a gente ama. Ama o tempo todo.
É porque amor é coisa de tato, beijo, abraço, pulso, sorriso...
Amor meu, um dia desses, disse que "amor é vontade de apertar". E num é que é?
Amor é isso tudo e também é cheiro.
Eu vivo sentindo cheiro de amor por aí.
Amor enche pulmão, lava e suja ao mesmo tempo.
Têm horas que amor tem cheiro de flor. Têm horas que amor tem cheiro de cigarro. Têm horas que amor tem cheiro de vinho. Têm horas que amor tem cheiro de mundo. Têm horas que amor tem cheiro de adeus. Têm horas que amor tem cheiro de bom dia.
É aí que a gente vê que não precisa dizer seguidas vezes que ama.
A gente já diz quando a gente beija, abraça, sorri, aperta...
A gente ama quando a gente respira.

Princesas na minha rotina




A rotina, às vezes, cansa, cega, entristece, mecaniza. Tão mecânico ou mais quanto o motor de um ônibus. Tão mecânico ou mais quanto a volta para casa de ônibus. Mas, algumas vezes, por trás de olhos de janelas urbanas, dá para (re)conhecer algumas flores que brotam do cimento.

Um dessas flores eu (re)conheci esta tarde, na minha rotina mecânica. Descrevê-la em seu uniforme azul, com seus cabelos presos em um laço também azul e os brincos vermelhos é algo quase impossível. É que princesa assim é indescritível. Sempre tem um detalhe que a gente deixa de lado.

Essa princesa sempre esteve na minha rotina. Mas, acho que desta vez, minha janela estava mais aberta. Enfim, não sei. Só sei que nesta tarde ela me encantou.

Ela tinha cerca de oito anos e entrou com seus pezinhos de princesa dentro da minha rotina.
Uma das mãos agarrava as mãos de um senhor (talvez seu pai, talvez seu tio, talvez seu avô. Não importa), a outra segurava um pedaço de capim. A princípio, cheguei a acreditar que o capim era para os cavalos brancos que passaram a puxar o ônibus quando ela entrou na minha rotina. Mas, logo, ela disse ao senhor: "Segura a minha flor."

O capim era flor! E ela era princesa. E o ônibus era puxado por cavalos brancos.
Dentro da minha rotina mecânica ela colocou seus pezinhos de princesa, brincos vermelhos e cavalos brancos.

Com esses mesmos pezinhos, ela fez algo que me encantou. Algo que eu (re)conheci em algum mar meu e que me veio como uma onda de saudades. A princesa subiu nos bancos do ônibus e deixou que o vento a despenteasse.
Laço desfeito, pés no banco, despreocupação... Ainda assim, ela era princesa dessas das mais finas.

Ponto marcado. Rotina. Ela olhou, desceu do banco, desceu do ônibus e foi embora com sua flor. Ela me deixou assim: sozinha, na rotina.
Mas, dessa vez, eu era carregada por cavalos brancos no vento de mar da saudade.

Um dia, na minha rotina, vou me aproximar dessa princesa. Antes que ela cresça e esses cavalos brancos que cavalgam nesse azul amargo desapareçam.

domingo, 3 de julho de 2011

Caionocontraste:

Mas Amanda triste, triste, triste. Uma página inteira triste. Um livro inteiro triste. Um mundo inteiro, Amanda triste.

sábado, 18 de junho de 2011

Aquela dança



"Dançarás - disse o anjo
Dançarás com teus sapatos vermelhos
Dançarás de porta em porta
Dançarás, dançarás sempre."
Andersen: Os Sapatinhos Vermelhos


Eles dançavam. Foi instintivo. Não teve pedido, não teve cumprimento. Não teve aquela formalidade necessária de quando as pessoas se conhecem e a vida se cruza e as palavras fazem-se obrigatórias e os abraços... e aquela formalidade ilógica. Aquela formalidade não era necessária àquela dança. Aquelas pessoas não se conheciam. Não naquela dança. Isso era novo para os dois.

Pé frente ao outro, jogadas sutis de braços, quadris que se remexiam... Não dançavam porque sabiam. Não sabiam: nem ele, nem ela. Eram aprendizes. Dessa dança sabiam pouco e queriam muito.
E foram querendo dela tudo o que ela conseguiu dar. E se conheceram aprendizes nessa dança como quem já sabe dançar.

Silenciosa. Descobriram que dança boa é sem palavras. As palavras interrompem a respiração, interrompem o ofego, interrompem o instinto. As palavras, muitas vezes, pedem compreensão. Compreender, naquele instante, era pisar no pé, errar um passo. Talvez, pior: compreender era tropeçar e cair.

Passos dados, ainda ofegantes, os dois se separaram. Separação sem despedidas, sem formalidades, sem abraços. Bom assim, simples assim.

Dias depois, dela eu não sei. Ele? Tentou dançar, tropeçou e caiu.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Uma noite com um boêmio


Tinha uma mineira, um carioca, muita cerveja, algumas caipirinhas e a maresia - comum para ele, irritante para ela. Era final de temporada, a cidade interiorana do Rio de Janeiro estava deserta. Muitos nativos, poucos turistas.

Ela vinha de um termino de relacionamento. Ele vinha da gema. Ela tinha o ego abalado e uma vontade absurda de se reerguer. Ele tinha uma cerveja, alguns cigarros e as lembranças do final de semana passado. O que havia acontecido mesmo? Não importava, nunca importava. Ela andava pela orla com passos calmos, caipirinha nas mãos, alegria no rosto. Alegria, para ela, nunca era desperdiçada. Ele andava com um jeito maroto, exalava esperteza, dessas de moleque maduro.

Natural de mineiro é ser sereno, sossegado. Era na praia que mineiro virava carioca, se misturava aos nativos, fazia farra, incorporava o espírito boêmio, fingia não ter tradição, nem costume, nem domingo na casa dos avós. Era aí que carioca fazia a festa, prometia mil amores, jurava mil casamentos. Até que chegasse a outra temporada e aparecesse outro mineiro querendo fugir da tradição que pudesse curar as lembranças do último “encontro”.

Ela parou. Bar vazio. Comum de fim de temporada. A amiga ria, ela ria. As bebidas começavam a fazer efeito. As risadas eram gostosas, gordas, cheias. Riam da cara de um moleque estranho, puxando conversa com o assunto mais comezinho que poderia existir, riam da falta do que fazer, riam porque queriam rir, porque eram mineiras em um bar carioca, riam porque não tinha compromisso, riam porque não queriam se comprometer.

Sentar? Sim, sentar era a melhor solução quando a praia começava a se transformar em carrossel e, lentamente, girava em torno das gargalhadas. Pediram mais duas bebidas, viram mais dois meninos. Riram, comentaram, trocaram olhares. Nada de incomum. Já tinham visto outros meninos nesta mesma noite, já tinham rido, já tinham comentado, já tinham trocado olhares.

As bebidas ficaram prontas e as mesas da mineira e do carioca já tinham virado uma só antes que ela desse o primeiro gole. A conversa não era mais comezinha. Não deixavam escapar silêncios longos entre uma frase e outra. O silêncio era suficiente apenas para mais uma tragada no cigarro do carioca.

Ela não fumava, ele tinha perguntado. Ela não usava drogas, ele tinha ficado impressionado. Ela só bebia e sorria. Ele sorria de volta, segurando o cigarro em uma das mãos e o copo de bebida na outra.

Na verdade, não se sabe ao certo se era ele quem sorria de volta ou se era ela quem sorria de volta. Sabe-se pouca coisa, mas sabe-se que em pouco tempo ele pedia um abraço e ela dava um beijo.

Descobriram coisas em comum entre um beijo e outro. Os dois gostavam das mesmas coisas, pensavam de jeitos diferentes e se completavam. Descobriram poucas coisas em comum entre um beijo e o outro, porque a boca pedia mais beijo do que fala, mais língua do que palavra.

Era certo que tiveram beijos, mordidas, cigarros, mãos, beijos, cerveja, língua beijo, beijo língua, caipirinha, apertaram-se corpo com corpo e deram as mãos. Mas era ainda mais certo que essa era a parte comum e o que havia mesmo interessado uma mineira com síndrome de carioca era o cheiro, o gosto e os olhos. O cheiro de pinga que exalava de seu corpo suado graças ao calor do Rio, o gosto de cigarro que possuía - do mais doce ao mais quente dos - seus beijos e os olhos que destacavam o verde dentre o vermelho que brotava em torno da pupila.

Quando os corpos se apertaram com mais força e ela se deixou levar pela vontade, pensou que em minas ela não faria isso. Mas, "nem ligo,nunca mais vou te ver”. A intenção superficial era essa, mas a vontade era de ver de novo, agarrar de novo, viver de novo. O corpo desejava mais que a intenção. Desejava o cheiro, o gosto, o calafrio, desejava voar vôos de gaivota.

Deitada na areia da praia, na manhã do outro dia, ela sentia ainda em seu corpo o cheiro de cigarro e bebida que a noite passada tinha deixado para trás. Foi quando, mesmo depois do banho de mar o cheiro ainda não havia saído, que ela percebeu que o cheiro já não era mais dele, era dela. Do fundo dos seus pulmões, ela percebeu que esse era o preço que se pagava por uma noite com um boêmio. Tinha boêmia nos seus pulmões enquanto ela voava no seu vôo de gaivota.

terça-feira, 10 de maio de 2011


Já quis ser cuidador de bichinhos de estimação, passador de informações escritas no jornal, cuidador de gente triste, criador de propagandas e até já quis ser entregador de cartas.
Mas hoje, eu quero mesmo é ser fraseador, que nem o Manoel de Barros.

sábado, 30 de abril de 2011

Cresci


Eu nunca compreendi muito bem qual era a fixação dela por mim.
Eu era o tipo de criança que andava olhando para cima. Fazia isso para conseguir entender o céu. É porque eu não conseguia entender o motivo dela me seguir sempre que eu dava um passo novo.
E eu era criança. Criança dessas que quer entender o céu e, a cada passo, acaba dando sempre um passo novo.

Foi em uma noite dessas de família reunida que eu decidi que iria despistar a lua. Queria que ela parasse de me seguir. Queria que ela fosse andar em novos rumos e me deixasse dar meus passos sozinha.
Comecei dando passos pequenos, como quem não quer nada. Aumentei meus passo, aumentei a frequência deles e, quando dei por mim, já estava correndo o mais rápido que conseguia.
Safira, uma dessas primas que a gente tem e que não sabe onde foi parar, parou naquele dia ao meu lado enquanto eu descansava da correria.
- O que você está fazendo?
- Tentando despistar a lua.
- Posso te ajudar?
Não. Sai daqui. Pensei.
Depois, pensei melhor.
- Sim. Vem aqui.
Expliquei - ou pelo menos tentei explicar - para Safira todo o meu problema com aquela bola pequena que ficava no céu e no céu me seguia. Ela vinha para o céu quando o dia ficava escuro e nossa mãe o chamava de "noite". "Vem para dentro da casa, menina, já está de noite", ela dizia.
Se Safira entendeu, eu já não sei. Sei que ela topou me ajudar, sem pensar duas vezes.
Pensei e tramei assim: Correríamos juntas a princípio, enquanto a lua nos seguia. Logo, o mais rápido que pudéssemos, correríamos para lados opostos. Eu tinha a certeza mais que absolutamente certa de que a lua não saberia para onde seguir e desistiria dos meus passos.
E assim fizemos.
- Vai, Safira! - era o sinal para que ela corresse para o lado oposto.
E safira correu. Mas não deu certo. A luz estava lá, forte, olhando para mim. Vitoriosa.
- Deu certo!! - berrou a Safira do outro lado - A lua está me seguindo!
Certo? Como assim deu certo?


Foi aí que eu percebi que eu nunca quis que a lua deixasse de me seguir.
Ela era minha e fazia parte dos meus passos. Descobrir que ela não seguia só a mim acabou apodrecendo um pouco a minha pele.
Não quero cair da árvore. Crescer é assim, apodrecer e ir caindo ao poucos da árvore.

domingo, 24 de abril de 2011

Eu sou um pouco meio fragmento,
Um pouco sempre amor conto,
Um pouco nunca livro,
Um pouco meio amor rápido,
Um pouco meio amor passageiro,
Um pouco meio inconstante.


um pouco amor
só.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Não acredito em nada

Eu não acredito em nada, mas rezo para todos os deuses, cumpro todas as promessas, peço para todos os santos e tenho medo de todos os espíritos.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Meu primeiro amor


Quando eu tinha lá os meus sete anos de idade eu tive o meu primeiro amor platônico. Ele era moreno, estatura mediana e pobre. Mais precisamente, ele era um ladrão, morador de rua.
O meu primeiro amor platônico morava na Arábia, mas estava constantemente na minha casa. Eu o via de dez a quinze vezes por dia e nunca me cansava. Ele se chamava Aladin.
Esse mesmo, o Aladim da Disney, amigo do gênio, enganado por Jaffar.
Quando eu tinha os meus sete anos de idade, eu era perdidamente apaixonada pelo Aladin e, como se ficar apaixonada por um desenho animado não bastasse, eu tinha a certeza mais certa do mundo de que ele "sairia da televisão para ficar comigo". Era essa a frase que eu usava.
Nada era mais convicto e mais certo do que isso. Ele sairia da televisão e ficaria comigo.
Eu adorava tudo naquele personagem e aceitaria sem pestanejar ter um macaco como animal de estimação dentro de casa.

Porém, toda ilusão um dia é quebrada.
Quando eu tinha meus sete anos, minha irmã estava com doze e já era séria o suficiente para ser capaz de desconstruir meu mundo lúdico.
Constantemente ela dizia que não existia isso de "sair da televisão" e que eu era uma tola.
Tola ou não, ele sairia dalí, eu sabia. Ele viria para mim, porque ele era meu primeiro amor.
Mal ouvia o que ela tinha para me dizer.
Até que, um dia, ela encontrou o argumento perfeito para quebrar a minha ilusão. Ela disse:
- Quer saber? O Aladin pode até sair da televisão, - óbvio, eu pensei, já sabia disso - mas ele nunca vai ficar com você.
Essa era nova para mim. Desde quando? Por quê?
- Ele nunca vai ficar com você, porque ele tem a Jasmine e é dela que ele gosta.
Todo grande amor, um dia é desmistificado.

segunda-feira, 21 de março de 2011


Quando eu encontrar sentido para a vida, vou largar tudo.
Vou soltar os cabelos, desamarrar os cadarços, desligar o computador, desfazer-me da gramática...
Quando eu encontrar sentido para a vida, vou largar tudo.
Enquanto isso, vou me prendendo, vou me amarrando, vou me ligando
enquanto isso, vou me procurando.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Eu o conheci, reconheci e aprendi a amá-lo na rotina.
Porque é para isso que serve a rotina:
Para nos fazer apaixonar.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Forty Part Motet


Sentado no meio daquela sala, pela milésima vez eu ouvia aquelas vozes. Conhecia os ritmos de cor. Mas não é de mim que eu quero falar. É dela. Ou é de mim pensando nela. Ela que tinha acabado de entrar de mãos dadas com um rapaz. Ela que era linda.
Nunca vi alguém sorrindo tanto. Nunca vi alguém sorrindo tanto em um museu de arte contemporânea. Ela estava feliz na galeria. “É esta!”, ela disse, soltando a mão do rapaz e correndo para o meio da sala, para perto de mim. O rapaz que estava com ela sentou-se ao meu lado. Nem dei importância. Era ela que importava para mim naquele instante.
Ainda no meio da sala, ela segurava as duas mãos juntas, uma abraçando a outra, e observava a sala sorrindo um sorriso de boca fechada. Parece que ela não sabia qual caixa escutar primeiro.
Com cautela, ela se aproximou de uma das caixas e sorriu um sorriso maior, mas ainda de boca fechada. Acompanhei seus passos suaves por toda a sala. Ela andava devagar, parecia sempre que iria parar em uma das caixas e ficar para sempre. Mas ela nunca parava. O som do moteto de Thomas Tallis não fazia mais parte do meu ouvido. Era o som dos sapatinhos dela que me encantava naquele momento. O som dos sapatinhos dela percorrendo a sala de uma maneira suave que parecia parar, mas nunca parava.
Até que parou e o silêncio nos consumiu. Nós dois. O silêncio da música que havia acabado consumiu a garota. O silêncio dos seus sapatinhos que haviam parado me consumiu. Ela olhou para o rapaz, ele não olhava para ela. Acho que estava cansado. Ele estava cansado e não olhava para ela. Mas eu olhava.
As tosses e as vozes baixas que vinham das caixas recomeçaram. Ela sorriu grande de novo e voltou a deixar que a suavidade de seus sapatinhos entrasse em meus ouvidos.
Eu a observava. Ela nem percebia minha presença. Nem a minha, nem a do rapaz, nem a das pessoas que vez em quando adentravam a sala. Eu a observava. Ela usava um vestido preto e enquanto andava pela sala, mais precisamente frente à caixa que tossia, os pêlos de suas pernas começaram a arrepiar e, em cada caixa que entrava em seus ouvidos, os pêlos arrepiavam mais e mais e mais e mais. Primeiro nas pernas, depois nos braços e eu sei que, até na nuca coberta pelos cabelos, pêlos arrepiaram.
“Aqui tem uma criança!”, ela disse sorrindo para o cara do meu lado. Ele sorriu de volta sem muita importância. Eu quis sorrir de volta com muita importância. Tem sim uma criança, pensei. Eu queria que ela tivesse falado comigo, sorrido pra mim. Eu sabia que ela entendia que ali tinha uma criança. Ela não falava da voz. Ela fala de mais. Ali tinha uma criança.
O cara levantou, a música recomeçou. Ele foi até ela, seguindo-a, disse algo em seu ouvido e depois saiu. Duvido muito que ela tenha escutado-o. Fez bem.
Tive vontade de levantar e ir até ela, mas não fui. Se eu tivesse ido, estragaria o texto. O momento era só dela e das vozes. Eu era só o narrador. Só. Só ali eu a observava. Ela era linda.
E ela continuava com seus sapatinhos e seus pelos eriçados. Não era o moteto em si, eu sabia. No fundo, não era só o moteto. Era mais. Era alguma coisa nas vozes. Nas vozes presas nas caixas.
O cara chegou na porta da sala. Fez um gesto. Ela saiu. Pêlos murchos, sorriso pequeno. Não resistiu, olhou mais uma vez para as caixas e para as vozes dentro das caixas. Olhou para mim.


Chuva me deixa abraço

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Um novo vício

Encontrei um novo vício.
Vício desses de deixar a gente tonta, louca, sem vergonha. Vício desses de deixar a gente sossegada, tranquila, serena.
Eu descobri esse vício e o servi em festas, trafiquei pelas ruas, distribui gratuitamente entre os amigos.
Descobri esse vício em um balanço no final da madrugada. Vi quinze mundos diferentes e sorri um sorriso gordo para cada um deles.
Quando eu descobri esse vício, dei nome a ele de Felicidade. Acho que esse nome já existia antes, só não sabiam que era um vício.
Eu lhes conto: é um vício.
Vício desses de cheirar, fumar, injetar.
Cheirei o vento pela manhã, fumei um pouco de amor pela tarde, injetei sorrisos várias vezes durante a noite e acabei descobrindo a Felicidade.
Viciei, tive várias overdoses.
E, assim como em todos os outros vícios, nesse também encontrei um efeito colateral: rir de tudo é desespero.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Luto

E nosso amor foi morrendo com o passar dos meses.
Não deu tempo de perceber quando foi que morreu, não deu tempo de pensar na morte.
Será que foi morte morrida? Será que fui eu que matei?
Se matei, foi acidente.
Pensei que tivesse sido suicídio. Mas não foi.
O amor morreu, eu estou viva.

Amor louco, amor. Amor breve. Se eu não posso te levar, quero que você me leve.