sábado, 8 de outubro de 2011

De dentro da gente



Mariana, de súbito, levantou do sofá e correu, tropeçando nos próprio pés cobertos pelas meias e escorregando no assoalho lustrado, naquele mesmo instante, pela mãe. Ainda em estado de êxtase, chegou até a garagem, onde encontro o pai sentado, remexendo ferramentas antigas.
-Pai, sabia que dentro da gente tem um tantão de peixinho?
Por algum motivo o pai não respondera. Deve ser porque ela havia falado rápido, ainda ofegante da corrida.
-Pai, tem um tanto de peixinho dentro da gente! - ela tentou mais uma vez, controlando a voz ofegante.
O pai soltou um grunhido, apenas para demonstrar que tinha ouvido e estava lá, mas permaneceu de costas para a garota.
-Pega a chave de fenda para mim.
Mariana, procurou por toda a parte algo que poderia ser essa tal chave de fenda.
-Que isso, pai?
Ele, sem responder, levantou-se e buscou um objeto que Mariana achou engraçado: um palito fino com um pequeno bastão colorido. Ela riu e pensou que talvez servisse como varinha mágica para o Tedy (seu urso de pelúcia com Cartola. O avô costumava dizer que Tedy era mágico que nem ela).
-Cadê sua mãe? Vá até a cozinha e pergunte se o almoço já está pronto.
Ela, meio desapontada, com a cabeça baixa, brincava de escorregar no chão lustrado pela mãe enquanto percorria o caminho até a cozinha. Passou pelos olhos do avô.
-Onde vai, patinando desse jeito, menina?
Mariana, ainda de cabeça baixa, fitou o chão branco feito gelo e sorriu.
-Vô, sabia que dentro da gente tem peixinhos?
O avô sorriu, mostrando gordo o sorriso branco da dentadura. Alguém bateu na porta e entrou. Era uma dessas visitas que chega sempre sorrindo murcho e vai embora sempre sorrindo murcho sem acrescentar sorriso nenhum na vida da gente.
-Essa é a Mariana? Como cresceu! Antes era uma coisa miúda...
O avô, ainda sorrindo para os peixinhos de Mariana, respondeu:
-Pois é! Isso cresce que nem abóbora!
A visita, de sorriso murcho, falou mais algumas coisas entre os dentes murchos e foi embora para a garagem. Talvez ajudar o pai, talvez só dar o ar da graça murcha. Não importa.
Mariana, vendo a visita ir para a garagem, lembrou-se do que o pai havia pedido e foram - ela e o avô - ao encontro da mãe, na cozinha.
Assim que colocou os pés de meia no chão da cozinha, a menina viu os olhos da mãe fuzilarem o pano que antes era branco.
-Mariana! Quantas vezes eu disse que não é para andar de meia pela casa? Você parece não me ouvir! Larga todas as meias sujas pelo chão! Você e seu pai pensam que eu sou o quê?!...
O avô, assustado, esperou a reação da menina, enquanto a mãe saia pela casa afora, ainda em explosão de frases.
Mariana sorriu, olhou fundo nos olhos do avô e disse:
-Acho que mamãe tem dentro dela um tubarão!

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