segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012



Sentada, de pernas cruzadas, sobre o chão, ela abria os potinhos de tinta. Eram pequenos e transparentes. Mas era só quando abertos que as cores eram vivas.
Haviam inúmeros lápis de cores diferentes, espalhados também sobre o chão, ao seu lado, mas, quem criança quer lápis quando se tem tinta?
Parada, ela olhava para as tintas e para os papéis branquinhos. Estava indecisa e confusa: mais bonito a tinta ou o papel limpo?
Espalhou lentamente os papéis e começou a pintar, evitando se sujar muito pra que a mãe não brigasse. Ficou alí, com movimentos lentos, pintando com a mesma agilidade tranquila que tem no olhar de um passarinho.
Pintou, de início, bolas azuis. Três pequenas, uma grandona que era quase a folha toda. Achava engraçado como, ao ir acabando a tinta no pincel, os traços ficavam ralos que nem quando um avião passa rápido no céu e deixa um rastro branco de algodão quase doce.
Pintou galhos, flores, folhas, pintou riscos soltos que nem fita de cabelo de menina, pintou muitos sorrisos sem dentes e sem lábios. Sorrisos de olhos fechados.
Pintou também borboletas, muitas delas, pequenas, dentro da bola azul maior.
A mãe chegou, olhou aquilo tudo e foi dizendo sem sorriso, com os olhos muito abertos que "o que é isso, menina? por que não vai fazer alguma coisa de útil?".
Ela, sentada, enfiou o dedo indicador na tinta vermelha e pintou mais borboletas.
"você, que já é quase uma mocinha, tem que aprender a fazer alguma coisa"
Aumentou as asas das borboletas amarelas com pinceladas fortes. Foi limpar o rosto e manchou que nem pele de índio antes de ritual. Manchou também os braços, o cotovelo e um pouco da calça.
"vai varrer casa, descascar batatas! vem me ajudar! larga de fazer essas coisas..."
Grandes, grandes, com o pincel encharcado, as borboletas começavam a ganhar espaço, e saíram para fora da bola azul. Ela, em silêncio, continuava a pintar, enquanto a mãe gritava.
Ela não respondia. Hora alguma levantou a cabeça ou fez menção de se levantar. Permaneceu pintando.
Porque tinha silêncio no seu coração.
Lá dentro, só som de asas de borboletas que batiam fortes para além do papel.

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